quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Nunca te vejo o peito arfar de enleio

Os Seios

Nunca te vejo o peito arfar de enleio,
Quando de amor, ou de prazer te ébrias,
Que não ouça lá dentro as fugidias
Aves, baixo alternando algum gorjeio...

Aves são, e são duas aves, creio,
Que em ti mesma nasceram, e em ti crias,
Ao arrulhar de castas melodias,
No aroma quente e ebúrneo do teu seio;

Têm de uns astros irmãos o movimento,
Ou de dois lírios, que balouça o vento,
O giro doce, o lânguido vaivém.

Oh! quem me dera ver no próprio ninho
Se brancas são, como o mais branco arminho,
Ou se asas, como as outras pombas, têm...

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Ó tu, que vens de longe, ó tu, que vens cansada

Duas Almas

Ó tu, que vens de longe, ó tu, que vens cansada,
Entra, e sob este teto encontrarás carinho:
Eu nunca fui amado, e vivo tão sozinho,
Vives sozinha sempre, e nunca foste amada...

A neve anda a branquear, lividamente, a estrada,
E a minha alcova tem a tepidez de um ninho.
Entra, ao menos até que as curvas do caminho
Se banhem no esplendor nascente da alvorada.

E amanhã, quando a luz do sol dourar, radiosa,
Essa estrada sem fim, deserta, imensa e nua,
Podes partir de novo, ó nômade formosa!

Já não serei tão só, nem irás tão sozinha:
Há de ficar comigo uma saudade tua...
Hás de levar contigo uma saudade minha...

Alceu Wamosy, 1895-1923

Extraído de: Senna, JA. Um célegre soneto à luz da estilística. Revista Philologus. Rio de Janeiro, Ano 12, n. 34. Disponível em http://www.filologia.org.br/revista/34/14.htm acesso em 15 Dez. 2008.