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quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Nunca te vejo o peito arfar de enleio

Os Seios

Nunca te vejo o peito arfar de enleio,
Quando de amor, ou de prazer te ébrias,
Que não ouça lá dentro as fugidias
Aves, baixo alternando algum gorjeio...

Aves são, e são duas aves, creio,
Que em ti mesma nasceram, e em ti crias,
Ao arrulhar de castas melodias,
No aroma quente e ebúrneo do teu seio;

Têm de uns astros irmãos o movimento,
Ou de dois lírios, que balouça o vento,
O giro doce, o lânguido vaivém.

Oh! quem me dera ver no próprio ninho
Se brancas são, como o mais branco arminho,
Ou se asas, como as outras pombas, têm...

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Ó tu, que vens de longe, ó tu, que vens cansada

Duas Almas

Ó tu, que vens de longe, ó tu, que vens cansada,
Entra, e sob este teto encontrarás carinho:
Eu nunca fui amado, e vivo tão sozinho,
Vives sozinha sempre, e nunca foste amada...

A neve anda a branquear, lividamente, a estrada,
E a minha alcova tem a tepidez de um ninho.
Entra, ao menos até que as curvas do caminho
Se banhem no esplendor nascente da alvorada.

E amanhã, quando a luz do sol dourar, radiosa,
Essa estrada sem fim, deserta, imensa e nua,
Podes partir de novo, ó nômade formosa!

Já não serei tão só, nem irás tão sozinha:
Há de ficar comigo uma saudade tua...
Hás de levar contigo uma saudade minha...

Alceu Wamosy, 1895-1923

Extraído de: Senna, JA. Um célegre soneto à luz da estilística. Revista Philologus. Rio de Janeiro, Ano 12, n. 34. Disponível em http://www.filologia.org.br/revista/34/14.htm acesso em 15 Dez. 2008.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Não te toque a noite nem o ar nem a aurora

Poema V - Não te toque

Não te toque a noite nem o ar nem a aurora,
só a terra ,a virtude dos cachos,
as maçãs que crescem ouvindo a água pura,
o barro e as resinas de teu país fragrante.

Desde Quinchamalí onde fizeram teus olhos
aos pés criados para mim na Fronteira
és a greda escura que conheço:
em teus quadris toco de novo todo o trigo.

Talvez tu não saibas, araucana,
que quando antes de amar-te me esqueci de teus beijos
meu coração ficou recordando tua boca

e fui como um ferido pelas ruas
ate que compreendi que havia encontrado
amor, meu território de beijos e vulcões.

Pablo Neruda, 1904-1973

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

O teu perfume, amada - em tuas cartas


Soneto a Katherine Mansfield

O teu perfume, amada - em tuas cartas
Renasce, azul... - são tuas mãos sentidas!
Relembro-as brancas, leves, fenecidas
Pendendo ao longo de corolas fartas.

Relembro-as, vou.. nas terras percorridas
Torno a aspirá-lo, aqui e ali desperto
Paro; e tão perto sinto-te, tão perto
Como se numa foram duas vidas.

Pranto, tão pouca dor! tanto quisera
Tanto rever-te, tanto!... e a primavera
Vem já tão próxima!... (Nunca te aprtas

Primavera, dos sonhos e das preces!)
E no perfume preso em tuas cartas
À primavera surges e esvaneces.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Passei ontem a noite junto dela

Passei ontem a noite junto dela.
Do camarote a divisão se erguia
apenas entre nós - e eu vivia
no doce alento dessa virgem bela...

Tanto amor, tanto fogo se revela
naqueles olhos negros! Sá a via!
Música mais do céu, mais harmonia
aspirando nessa alma de donzela!

Como era doce aquele seio arfando!
Nos lábios que sorriso feiticeiro!
Daquelas horas lembro chorando!

Mas o que é triste e dói ao mundo inteiro
é sentir todo o seio palpitando...
Cheio de amores! E dormir solteiro!


* Sergio Faraco (org.). Livro dos Sonetos: 1500-1900: poetas portugueses e
brasileiros. Porto Alegre : L&PM, 2002.

domingo, 23 de novembro de 2008

Minh'alma, de sonhar-te, anda perdida

FANATISMO

Minh'alma, de sonhar-te, anda perdida,
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer razão do meu viver,
Pois que tu és já tôda a minha vida!

Não vejo nada assim enlouquecida...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!

«Tudo no mundo é frágil, tudo passa...»
Quando me dizem isto, tôda a graça
Duma bôca divina fala em mim!

E, olhos postos em ti, digo de-rastros:
«Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: Principio e Fim!...»


quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Poeiras de crepúsculos cinzentos

CINZENTO

Poeiras de crepúsculos cinzentos.
Lindas rendas velhinhas, em pedaços,
Prendem-se aos meus cabelos, aos meus braços,
Como brancos fantasmas, sonolentos...

Monges soturnos deslizando lentos,
Devagarinho, em misteriosos passos...
Perde-se a luz em lânguidos cansaços...
Ergue-se a minha cruz dos desalentos!

Poeiras de crepúsculos tristonhos,
Lembram-me o fumo leve dos meus sonhos,
A névoa das saudades que deixaste!

Hora em que teu olhar me deslumbrou...
Hora em que a tua boca me beijou...
Hora em que fumo e névoa te tornaste...

Florbela Espanca, 1894-1930

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Como o gênio da noite, que desata


MARIETA

Como o gênio da noite, que desata
o véu de rendas sobre a espada nua,
ela solta os cabelos... Bate a lua
nas alvas dobras de um lençol de prata.

O seio virginal que a mão recata,
embalde o prende a mão... cresce, flutua...
Sonha a moça ao relento... Além da rua
preludia um violão na serenata.

Furitivos passos morrem no lajedo...
Resvala a escada do balcão discreta...
Matam lábios os beijos em segredo...

Afoga-me os suspiros, Marieta!
Ó Surpresa! ó palor! ó pranto! ó medo!
Ai! noites de Romeu e Julieta!

Castro Alves, 1847-1871

* Sergio Faraco (org.). Livro dos Sonetos: 1500-1900: poetas portugueses e
brasileiros. Porto Alegre : L&PM, 2002.

domingo, 2 de novembro de 2008

Quando, na sombra espessa em que eu vivia, a calma

Quando, na sombra espessa em que eu vivia, a calma
Do teu sorriso entrou, como o sol na floresta,
Caminhei para ti, na mão tendo uma palma,
E chegaste, doirada, entre flores de giesta.

Ástrea aliança de uma alma a sonhar por outra alma!
O luar nascia triste, a tarde era funestra...
Diante de mim as mãos uniste, palma a palma:
Sorriste... Para ver o céu nada me resta!

De joelheiras de ferro, estarcão e acha d'armas,
Verde escudo em sinople, eu fui, pelos Poemas,
O cavaleiro afeito às gritas e aos alarmas.

Vi esculcas no azul, que eram anjos: as sagas
Que te vinham buscar, sumiram-se blasfemas:
Mas, Senhora, por ti fiquei cheio de chagas...


quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Saudades! Sim... talvez... e porque não?...


Saudades

Saudades! Sim... talvez... e porque não?...
Se o nosso sonho foi tão alto e forte
Que bem pensara vê-lo até à morte
Deslumbrar-se de luz o coração!

Esquecer! Para quê?... Ah! como é vão!
Que tudo isso, Amor, nos não importe.
Se ele deixou beleza que conforte
Deve-nos ser sagrado como o pão!

Quantas vezes, amor, já te esqueci,
Para mais doidamente me lembrar,
Mais doidamente me lembrar de ti!

E quem dera fosse sempre assim
Quanto menos quisesse recordar
Mais a saudade presa a mim!

Florbela Espanca, 1894-1930

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

"Virás comigo", disse, sem que ninguém soubesse

VII

"VIRÁS comigo", disse, sem que ninguém soubesse
onde e como pulsava meu estado doloroso
e para mim não havia cravo nem barcarola,
nada senão uma ferida pelo amor aberta.

Repeti: vem comigo, como se morresse,
e ninguém viu em minha boca a lua que sangrava,
ninguém viu aquele sangue que subia ao silêncio.
Oh amor, agora esqueçamos a estrela com pontas!

Por isso quando ouvi que tua voz repetia
"Virás comigo", foi como se desatasses
dor, amor, a fúria do vinho encarcerado

que de sua cantina submergida soubesse
e outra vez em minha boca senti um sabor de chama,
de sangue e cravos, de pedra e queimadura.

Pablo Neruda, 1904-1973

Pablo Neruda. Cem sonetos de amor. Porto Alegre : L&PM, 1997.
Tradução de Carlos Nejar.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Nos bosques, perdido, cortei um ramo escuro

VI

NOS BOSQUES, perdido, cortei um ramo escuro
e aos lábios, sedento, levantei seu sussurro:
era talvez a voz da chuva chorando
um sino fendido ou um coração cortado.

algo que de tão longe me parecia
oculto gravemente, coberto pela terra,
um grito ensurdecido por imensos outonos,
pela entreaberta e úmida escuridão das folhas.

Por ali, despetando dos sonos do bosque,
o ramo de avelã cantou sob minha boca
e seu vagante olor subiu por meu critério

como se buscassem de repente as raízes
que abandonei, a terra perdida com minha infância,
e me detive ferido pelo aromo errante.

Pablo Neruda, 1904-1973
NERUDA, P. Cem sonetos de amor. Porto Alegre : L&PM, 1997.
Tradução de Carlos Nejar.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Quanta mulher no teu passado, quanta!


Supremo enleio

Quanta mulher no teu passado, quanta!
Tanta sombra em redor! Mas que me importa?
Se delas veio o sonho que conforta,
A sua vinda foi três vezes santa!

Erva do chão que a mão de Deus levanta,
Folhas murchas de rojo à tua porta...
Quando eu for uma pobre coisa morta,
Quanta mulher ainda! Quanta! Quanta!

Mas eu sou a manhã: apago estrelas!
Hás de ver-me, beijar-me em todas elas,
Mesmo na boca da que for mais linda!

E quando a derradeira, enfim, vier,
Nesse corpo vibrante de mulher
Será o meu que hás de encontrar ainda...

Florbela Espanca, 1894-1930

Poemas de Florbela Espanca, Martins Fontes, 1996 - S. Paulo, Brasil

Extraído de http://zezepina.utopia.com.br/poesia/poesia003.html acesso em 08 set. 2008.

domingo, 7 de setembro de 2008

Hino da Independência

Letra: Evaristo da Veiga, 1799-1837
Música: D. Pedro I, 1798-1834


Já podeis, da Pátria filhos,
Ver contente a mãe gentil;
Já raiou a liberdade
No horizonte do Brasil.

Brava gente brasileira!
Longe vá... temor servil:
Ou ficar a pátria livre
Ou morrer pelo Brasil.

Os grilhões que nos forjava
Da perfídia astuto ardil...
Houve mão mais poderosa:
Zombou deles o Brasil.

Brava gente brasileira!
Longe vá... temor servil:
Ou ficar a pátria livre
Ou morrer pelo Brasil.

Não temais ímpias falanges,
Que apresentam face hostil;
Vossos peitos, vossos braços
São muralhas do Brasil.

Brava gente brasileira!
Longe vá... temor servil:
Ou ficar a pátria livre
Ou morrer pelo Brasil.

Parabéns, ó brasileiro,
Já, com garbo varonil,
Do universo entre as nações
Resplandece a do Brasil.

Brava gente brasileira!
Longe vá... temor servil:
Ou ficar a pátria livre
Ou morrer pelo Brasil.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Gosto de ti apaixonadamente


Gosto de ti apaixonadamente
De ti que és a vitória, a salvação,
De ti que me trouxeste pela mão
Até ao brilho desta chama quente.

A tua linda voz de água corrente
Ensinou-me a cantar... e essa canção
Foi ritmo nos meus versos de paixão,
Foi graça no meu peitodescrente.

Bordão a amparar ninha cegueira,
Da noite negra o mágico farol,
Cravos rubros a arder numa fogueira!

E eu, que era neste mundo uma vencida,
Ergo a cabeça ao alto, encaro o Sol!
- Águia real, aponta-me a subida!

Florbela Espanca, 1894-1930

terça-feira, 2 de setembro de 2008

O pesar de não tê-la encontrado mais cedo


O pesar de não tê-la encontrado mais cedo,
De não ter visto o céu quando havia esperança!
Som febril, ástreo som da alma de citaredo,
Por que vos não ouvi quando ainda era criança?

Quantas vezes o luar me sorria em segredo,
Quantas vezes a tarde era serena e mansa!
E o horizonte ante mim ressurgia tão ledo,
Que eu dizia: "Mas qua anjo entre nuvens avança?"

Hoje, depois de velho, e tão velho, mais velho
Que uma figura antiga e doce do Evangelho,
É que entre astros, trilhado o azul claro, a encontrei...

E pude, contemplando o sol da sua face,
Atirar a seus pés para que ela os pisasse,
Meus andrajos de pobre e meu manto de rei...

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Recordarás aquela quebrada caprichosa


IV

RECORDARÁS aquela quebrada caprichosa
onde os aromas palpitantes subiram,
de quando em quando um pássaro vestido
com água e lentidão: traje de inverno.

Recordarás os dons da terra:
irascível fragância, barro de ouro,
ervas do mato, loucas raízes,
sortílegos espinhos como espadas.

Recordarás o ramo que trouxeste,
ramo de sombra e água com silêncio,
ramo como uma pedra com espuma.

E aquela vez foi como nunca e sempre:
vamos ali onde não espera nada
e achamos tudo o que está esperando.

Pablo Neruda, 1904-1973
NERUDA, P. Cem sonetos de amor. Porto Alegre : L&PM, 1997.
Tradução de Carlos Nejar.

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Amor! Anda o luar, todo bondade


Noturno

Amor! Anda o luar, todo bondade,
Beijando a Terra, a desfazer-se em luz...
Amor! São os pés brancos de Jesus
Que anda pisando as ruas da cidade!

E eu ponho-me a pensar... Quanta saudade
Das ilusões e risos que em ti pus!
Traçaste em mim os braços duma cruz,
Neles pregaste a minha mocidade!

Minh'alma que eu te dei, cheia de mágoas,
É nesta noite o nenufar de um lago
Estendendo as asas brancas sobre as águas!

Poisa as mãos nos meus olhos, com carinho,
Fecha-os num beijo dolorido e vago...
E deixa-me chorar devagarinho...

Florbela Espanca, 1894-1930

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Matilde, nome de planta ou pedra ou vinho


I

MATILDE, nome de planta ou pedra ou vinho,
do que nasce da terra e dura,
palavra em cujo crescimento amanhece,
em cujo estio rebenta a luz dos limões.

Nesse nome correm navios de madeira
rodeados por enxames de fogo azul marinho,
e essas letras são a água de um rio
que em meu coração calcinado desemboca.

Oh meu nome descoberto sob uma trepadeira
como a porta de um túnel desconhecido
que comunica com a fragância do mundo!

Oh invade-me com tua boca abrasadora,
indaga-me, se queres, com teus olhos noturnos,
mas em teu nome deixa-me navegar e dormir.

Pablo Neruda, 1904-1973

NERUDA, Pablo. Cem sonetos de amor. Porto Alegre : L&PM, 1997.
Tradução de Carlos Nejar.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Tu vens de longe; a pedra


Retrato de Maria Lúcia

Tu vens de longe; a pedra
suavizou seu tempo
para entalhar-te o rosto
ensimesmado e lento

Teu rosto como um templo
voltado ara o oriente
remoto como o nunca
eterno como o sempre

e que subitamente
se aclara e movimenta
como se a chuva e o vento

cedessem seu momento
a pura claridade
do sol do amor intenso


Fonte: http://br.geocities.com/edterranova/vinicius57.htm acesso em 26 ago. 2008.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Áspero amor, violeta coroada de espinhos


III

ÁSPERO AMOR, violeta coroada de espinhos,
cipoal entre tantas paixões eriçado,
lança das dores, corola da cólera,
por que caminhos e como te dirigiste a minha alma?

Por que precipitaste teu fogo doloroso,
de repente, entre as folhas frias de teu caminho?
Quem te ensinou os passos que até mim te levaram?
Que flor, que pedra, que fumaça, mostraram minha morada?

O certo é que tremeu a noite pavorosa,
a aurora encheu todas as taças com seu vinho
e o sol estabeleceu sua presença celeste,

enquanto o cruel amor sem trégua me cercava,
até que lacerando-me com espadas e espinhos
abriu no coração um caminho queimante.

Pablo Neruda, 1904-1973
NERUDA, P. Cem sonetos de amor. Porto Alegre : L&PM, 1997.
Tradução de Carlos Nejar.

domingo, 24 de agosto de 2008

Viver não pude sem que o fel provasse


Via-Láctea XIV

Viver não pude sem que o fel provasse
Desse outro amor que nos perverte e engana:
Porque homem sou, e homem não há que passe
Virgem de todo pela vida humana.

Por que tanda serpente atra e profana
Dentro d'alma deixei que se aninhasse?
Por que, abrasado de uma sede insana,
A impuros lábios entreguei a face?

Depois dos lábios sôfregos e ardentes,
Senti - duro castigo aos meus desejos -
O gume fino de perversos dentes...

E não posso das faces poluídas
Apagar os vestígios desses beijos
E os sangrentos sinais dessas feridas!

Olavo Bilac, 1865-1918

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Vagueiam suavemente os teus olhares


Vagueiam suavemente os teus olhares
Pelo amplo céu franjado em linho:
Comprazem-se as visões crepusculares...
Tu és uma ave que perdeu o ninho.

Em que nichos doirados, em que altares
Repoisas, anjo errante, de mansinho?
E penso, ao ver-te envolta em véus de luares,
Que vês no azul o teu caixão de pinho.

És a essência de tudo quanto desce
Do solar das celestes maravilhas...
- Harpa dos crentes, cítola da prece.

Lua eterna que não tivesse fases,
Cintilas branca, imaculada brilhas,
E poeiras de astros nas sandálias trazes...

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Dormes... Mas que sussurro a umedecida


Via-Láctea XVIII

Dormes... Mas que sussurro a umedecida
Terra desperta? Que rumor enleva
As estrelas, que no alto a Noite leva
Presas, luzindo, à túnica estendida?

São meus versos! Palpita a minha vida
Neles, falenas que a saudade eleva
De meu seio, e que vão, rompendo a treva,
Encher teus sonhos, pomba adormecida!

Dormes, com os seios nus, no travesseiro
Solto o cabelo negro... e ei-los correndo,
Doudejantes, subtis, teu corpo inteiro...

Beijam-te a boca tépida e macia,
Sobem, descem, teu hálito sorvendo...
Por que surge tão cedo a luz do dia?!...

Olavo Bilac, 1865-1918

domingo, 8 de junho de 2008

Bela e traidora! Beijas e assassinas...


Abyssus

Bela e traidora! Beijas e assassinas...
Quem te vê não tem forças que te oponha:
Ama-te, e dorme no teu seio, e sonha,
E, quando acorda, acorda feito em ruínas...

Seduzes, e convidas, e fascinas,
como o abismo que, pérfido, a medonha
Fauce apresenta flórida e risonha,
Tapetada de rosas e boninas.

O viajor, vendo as flores, fatigado
Foge o sol, e, deixando a estrada poenta,
Avança incauto... Súbito, esbroando,

Falta-lhe o solo aos pés: recua e corre,
Vacila e griata, luta e se ensangüenta,
E rola, e tomba, e se despedaça, e morre...

Olavo Bilac, 1865-1918

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Reitoria da UFRGS 2008-2012

Paz e bem!

Tenho o privilegio de ter participado
de todas as eleições diretas para reitor da UFRGS;
seja como aluno, seja agora como funcionário.
O nível de envolvimento nas eleições variou:
- Participei da campanha vitoriosa do Prof. Alceu Ferrari
e me indignei com a posse de Gerhad Jacob,
o "Reitor-Sem-Palavra".
- Como representante-discente junto ao antigo COCEP
me envolvi no processo que levou à eleição do Prof. Hélgio Trindade,
em quem votei.
- Votei na Profª Wrana Panizzi por duas vezes,
fiz campanha para o Prof. José Carlos Hennemann.

Pois agora em 2008 me ví em grande dúvida
sobre qual das alternativas votar e apoiar,
há duas chapas que considero excelentes:
- A Chapa 1 encabeçada pela Profª Wrana.
- E a Chapa 2 liderada pelo Prof. Carlos Alexandre Netto.
Comparei programas, fiz várias análises racionais,
pesei prós e contras de cada uma destas chapas
e não consegui sair do meu impasse.


Por fim decidi pelo coração, pela intuição,
por isto declaro meu apoio à
Chapa 1: Wrana e Dimitrios
Site da Chapa 1: http://www.wrana-dimitrios.net/

A cada canto um grande conselheiro


Descreve o que era realmente naquelle tempo a cidade da Bahia de mais enredada por menos confusa
A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar a cabana, e vinha,
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.

Em cada porta um freqüentado olheiro,
Que a vida do vizinho, e da vizinha
Pesquisa, escuta, espreita, e esquadrinha,
Para a levar à Praça, e ao Terreiro.

Muitos Mulatos desavergonhados,
Trazidos pelos pés os homens nobres,
Posta nas palmas toda a picardia.

Estupendas usuras nos mercados,
Todos, os que não furtam, muito pobres,
E eis aqui a cidade da Bahia.


Extraído de http://pt.wikisource.org/wiki/A_cada_canto_um_grande_conselheiro acesso em 06 jun. 2008.

Meu Deus, que estais pendente em um madeiro


A Christo S. N. Crucificado estando o poeta na última hora de sua vida.

Meu Deus, que estais pendente em um madeiro,
Em cuja lei protesto viver,
Em cuja santa lei hei de morrer
Animoso, constante, firme, e inteiro.

Neste lance, por ser o derradeiro,
Pois vejo a minh vida anoitecer,
É, meu Jesus, a hora de se ver
A brandura de um Pai manso Cordeiro.

Mui grande é vosso amor, e meu delito,
Porém pode ter fim todo o pecar,
E não o vosso amor, que é infinito.

Esta razão me obriga a confiar,
Que por mais que pequei, neste conflito
Espero em vosso amor de me salvar.


Extraído de http://pt.wikisource.org/wiki/Meu_Deus,_que_estais_pendente_em_um_madeiro acesso em06 jun. 2008

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Pouco me pesa que mofeis sorrindo


Via-Láctea XXXV

Pouco me pesa que mofeis sorrindo
Destes versos puríssimos e santos:
Porque, nisto de amor e íntimos prantos,
Dos louvores do público prescindo.

Homens de bronze! um haverá, de tantos,
(Talvez um só) que, esta paixão sentindo,
Aqui demore o olhar, vendo e medindo
O alcance e o sentimento destes cantos.

Será esse o meu público. E decerto,
esse dirá: "Pode viver tranqüilo
Quem assim ama, sendo assim amado!"

E, trêmulo, de lágrimas coberto,
Há de estimar quem lhe contou aquilo
Que nunca ouviu com tanto ardor contado.


Olavo Bilac, 1865-1918

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Acreditei na vida, e foi assim

MENTIRA

Acreditei na vida, e foi assim
que, cheia de alegria e de esperança,
deixei alimentar dentro de mim
um amor puro e ledo, de criança.

Pensei ter alcançado então, o fim
por mim tão desejado, e, sem tardança,
senti-me venturosa, escrava enfim,
julgando meu o que ninguém alcança.

Mas, ai! Tu só mentiste e foi em vão
que tentei afogar no coração
o pranto desta mágoa que delira...

O teu amor, que tanto ambicionei
e a que tão loucamente me entreguei,
não passava, afinal, de uma mentira!...

Helena Verdugo Afonso

quarta-feira, 7 de maio de 2008

A fim, oculto amor, de coroar-te


A COROA DE ROSAS

A fim, oculto amor, de coroar-te,
de adornar tuas tranças luminosas,
uma coroa teci de brancas rosas,
e fui pelo mundo aofra, a procurar-te.

Sem nunca te encontrar, crendo avistar-te
nas moças que encontrava, donairosas,
fui-as beijando e fui-lhes dando rosas
da coroa feita com amor e arte.

Trago, de caminhar, os membros lassos,
acutilam-me os ventos e as geadas,
já não sei o que são noites serenas...

Sinto que vais chegar, ouço-te os passos,
mas ai! nas minhas mãos ensangüentadas
uma coroa de espinhos trago apenas!

Eugênio de Castro, 1869-1944

Livro dos sonetos : 1500-1900 : (poetas portugueses e brasileiros) / org. Sergio Faraco. -- Porto Alegre : L&PM, 2002. -- (Coleção L&PM pocquet; 3).

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Se erra minh'alma, em contemplar-vos tanto


SE ERRA MAINH'ALMA...

Se erra minh'alma, em contemplar-vos tanto,
e estes meus olhos tristes, em vos ver,
se erra meu amor grande, em não querer
crer que outra coisa há aí de mor espanto;

se erra meu espírito, em levantar seu canto
em vós, e em vosso nome só escrever,
se erra minha vida, em assi viver
por vós continuamente em dor, e pranto;

se erra minha esperança, em se enganar
já tantas vezes, e assi enganada
tornar-se a seus enganos conhecidos;

se erra meu bom desejo, em confiar
que algu'hora serão males cridos,
vós em meus erros só sereis culpada.

Antônio Ferreira, 1528-1569

Livro dos sonetos : 1500-1900 : (poetas portugueses e brasileiros) / org. Sergio Faraco. -- Porto Alegre : L&PM, 2002. -- (Coleção L&PM pocquet; 3). P. 17.

domingo, 4 de maio de 2008

Passa-se ua hora, e passa-se outra hora

Passa-se ua hora, e passa-se outra hora
sem perceber-se, vendo os teus cabelos;
passam-se os dias, vendo os olhos belos,
partes do Céu, onde amanhece a Aurora.

A boca vendo, aonde a graça mora,
mimsas faces, centro dos desvelos,
vendo o colo gentil, de donde os zelos,
por mais que os mandem, mão se vão embora.

Que tempo há de passar! Gasta-se a vida,
e a vida é curta, pois ligeira corre,
e passa sem que seja pressentida.

Ah, Marília, Marília, quem discorre
nas tuas perfeições, gostosa lida,
que alegre vive que insensível morre!

sábado, 3 de maio de 2008

Não me tentes assim. Fecha esses braços

Demoníaca

Não me tentes assim. Fecha esses braços.
Nas dobras da mantilha oculta as pomas.
Volve esses olhos mágicos e lassos,
E essa boca sensual, cheia de aromas.

Quero fugir do mal dos teus abraços,
Das trágicas cadeias das tuas comas,
E me fazes rojar, trás os teus passos,
Mal o teu vulto tentador assomas!

O meu ser te repele e te procura,
Mulher fatal, diabólica e divina,
Geradora de amor e de loucura!

Beija-me mais! Afoga-me o desejo!
Pois, se sei que teu beijo me assassina,
Sei que sucumbo à falta desse beijo!...

Alceu Wamosy, 1895-1923

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Deixa-me dizer-te os lindos versos raros

Os versos que te fiz

Deixa-me dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer
São talhados em mármore de Páros
Cinzelados por mim pra te oferecer.

Têm dolências de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder...
Deixa-me dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer!

Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda...
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz!

Amo-te tanto! E nunca te beijei...
E nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!

Florbela Espanca, 1894-1930

terça-feira, 29 de abril de 2008

Adornou meu quarto a flor do cardo


VISITA

Adornou meu quarto a flor do cardo,
Perfumei-o de almíscar recendente;
Vesti-me com a púrpura fulgente,
Ensaiando meus cantos, como um bardo:

Ungi as mãos e a face com o nardo
Crescido nos jardins do Oriente,
A receber com pompa, dignamente,
Misteriosa visita a quem aguardo.

Mas que filha de reis, que anjo ou que fada
Era essa que assim a mim descia,
Do meu casebre à húmida pousada?...

Nem princesas, nem fadas. Era, flor,
Era a tua lembrança que batia
às portas de ouro e luz do meu amor!

Que suspensão, que enleio, que cuidado


Que suspensão, que enleio, que cuidado
É este meu, tirano Cupido?
Pois tirando-me enfim todo o sentido
Me deixa o sentimento duplicado.

Absorta no rigor de um duro fado,
Tanto de meus sentidos me divido,
Que tenho só de vida o bem sentido
E tenho já de morte o mal logrado.

Enlevo-me no dano que me ofende,
Suspendo-me na causa de meu pranto
Mas meu mal (ai de mim!) não se suspende.

Ó cesse, cesse, amor, tão raro encanto
Que para que de ti não se defende
Basta menos rigor, não rigor tanto.

Soror Violante do Céu, 1602-1693

Antologia da Poesia do Período Barroco, Moraes Editores, 1982 - Lisboa, Portugal.
Extraído de http://zezepina.utopia.com.br/poesia/poesia248.html acesso em 29 abr. 2008.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Amor, quantos caminhos até chegar a um beijo


II

AMOR, quantos caminhos até chegar a um beijo,
que solidão errante até tua companhia!
Seguem os trens sozinhos rodando com ma chuva.
Em Taltal não amanhece a primavera.

Mas tu e eu, amor meu, estamos juntos,
juntos desde a roupa às raízes,
juntos de outono. de água de quadris,
até ser só tu, só eu juntos.

Pensar que custou tantas pedras que leva o rio,
a desembocadura de água de Boroa,
pensar que separados por trens e nações

tu e eu tínhamos que simplesmente amar-nos,
com todos confundidos, com homens e mulheres,
com a terra que implanta e educa dos cravos.

Pablo Neruda, 1904-1973

Cem sonetos de amor / Pablo Neruda ; tradução de Carlos Nejar. -- Porto Alegre : L&PM, 1997. -- (Coleção L&PM pocquet; 19).
P. 8.

domingo, 27 de abril de 2008

Vem de séculos, alma, essa orgulhosa casta


GRITO DE ALMA

Vem de séculos, alma, essa orgulhosa casta,
Repudiando a dor, tripudiando a lei.
Num gesto de altivez que em onda leva arrasta
Inteiras gerações de amaldiçoada grei.

Ir procurar, amor, nessa altivez madrasta,
Um gesto de carinho ou de brandura, eu sei?
Ao tigre dos juncais, duma crueza vasta,
Quem há que roube a presa? Aponta-me e eu irei!

Cruel destino o meu, que ao meu caminho trouxe
Na fulgurante luz do teu olhar tão doce
À mágoa minha eterna, a minha eterna dor.

Vai. Segue o teu destino. A onda quer-te e passa.
Vai com ela cantar o orgulho da tua raça
Que eu ficarei cantando o nosso eterno amor ...

sábado, 26 de abril de 2008

Amor é um fogo que arde sem se ver


Amor é um fogo que arde sem se ver;
é ferida que dói e não se sente;
é um contentamento descontente;
é dor que desatina sem doer;

é um não querer mais que bem querer;
é solitário andar por entre a gente;
é um não contentar-se de contente;
é cuidar que se ganha em se perder;

é estar-se preso por vontade;
é servir quem vence o vencedor;
é um ter com quem mata a lealdade.

Mas como causar pode o seu favor
nos mortais corações conformidade,
sendo a si tão contrário o mesmo amor?
Luis de Camões, 1524?-1580



Livro dos sonetos : 1500-1900 : (poetas portugueses e brasileiros) / org. Sergio Faraco. -- Porto Alegre : L&PM, 2002. -- (Coleção L&PM pocquet; 3).
P. 16.