quarta-feira, 14 de maio de 2008

Pouco me pesa que mofeis sorrindo


Via-Láctea XXXV

Pouco me pesa que mofeis sorrindo
Destes versos puríssimos e santos:
Porque, nisto de amor e íntimos prantos,
Dos louvores do público prescindo.

Homens de bronze! um haverá, de tantos,
(Talvez um só) que, esta paixão sentindo,
Aqui demore o olhar, vendo e medindo
O alcance e o sentimento destes cantos.

Será esse o meu público. E decerto,
esse dirá: "Pode viver tranqüilo
Quem assim ama, sendo assim amado!"

E, trêmulo, de lágrimas coberto,
Há de estimar quem lhe contou aquilo
Que nunca ouviu com tanto ardor contado.


Olavo Bilac, 1865-1918

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Acreditei na vida, e foi assim

MENTIRA

Acreditei na vida, e foi assim
que, cheia de alegria e de esperança,
deixei alimentar dentro de mim
um amor puro e ledo, de criança.

Pensei ter alcançado então, o fim
por mim tão desejado, e, sem tardança,
senti-me venturosa, escrava enfim,
julgando meu o que ninguém alcança.

Mas, ai! Tu só mentiste e foi em vão
que tentei afogar no coração
o pranto desta mágoa que delira...

O teu amor, que tanto ambicionei
e a que tão loucamente me entreguei,
não passava, afinal, de uma mentira!...

Helena Verdugo Afonso

quarta-feira, 7 de maio de 2008

A fim, oculto amor, de coroar-te


A COROA DE ROSAS

A fim, oculto amor, de coroar-te,
de adornar tuas tranças luminosas,
uma coroa teci de brancas rosas,
e fui pelo mundo aofra, a procurar-te.

Sem nunca te encontrar, crendo avistar-te
nas moças que encontrava, donairosas,
fui-as beijando e fui-lhes dando rosas
da coroa feita com amor e arte.

Trago, de caminhar, os membros lassos,
acutilam-me os ventos e as geadas,
já não sei o que são noites serenas...

Sinto que vais chegar, ouço-te os passos,
mas ai! nas minhas mãos ensangüentadas
uma coroa de espinhos trago apenas!

Eugênio de Castro, 1869-1944

Livro dos sonetos : 1500-1900 : (poetas portugueses e brasileiros) / org. Sergio Faraco. -- Porto Alegre : L&PM, 2002. -- (Coleção L&PM pocquet; 3).

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Se erra minh'alma, em contemplar-vos tanto


SE ERRA MAINH'ALMA...

Se erra minh'alma, em contemplar-vos tanto,
e estes meus olhos tristes, em vos ver,
se erra meu amor grande, em não querer
crer que outra coisa há aí de mor espanto;

se erra meu espírito, em levantar seu canto
em vós, e em vosso nome só escrever,
se erra minha vida, em assi viver
por vós continuamente em dor, e pranto;

se erra minha esperança, em se enganar
já tantas vezes, e assi enganada
tornar-se a seus enganos conhecidos;

se erra meu bom desejo, em confiar
que algu'hora serão males cridos,
vós em meus erros só sereis culpada.

Antônio Ferreira, 1528-1569

Livro dos sonetos : 1500-1900 : (poetas portugueses e brasileiros) / org. Sergio Faraco. -- Porto Alegre : L&PM, 2002. -- (Coleção L&PM pocquet; 3). P. 17.

domingo, 4 de maio de 2008

Passa-se ua hora, e passa-se outra hora

Passa-se ua hora, e passa-se outra hora
sem perceber-se, vendo os teus cabelos;
passam-se os dias, vendo os olhos belos,
partes do Céu, onde amanhece a Aurora.

A boca vendo, aonde a graça mora,
mimsas faces, centro dos desvelos,
vendo o colo gentil, de donde os zelos,
por mais que os mandem, mão se vão embora.

Que tempo há de passar! Gasta-se a vida,
e a vida é curta, pois ligeira corre,
e passa sem que seja pressentida.

Ah, Marília, Marília, quem discorre
nas tuas perfeições, gostosa lida,
que alegre vive que insensível morre!

sábado, 3 de maio de 2008

Não me tentes assim. Fecha esses braços

Demoníaca

Não me tentes assim. Fecha esses braços.
Nas dobras da mantilha oculta as pomas.
Volve esses olhos mágicos e lassos,
E essa boca sensual, cheia de aromas.

Quero fugir do mal dos teus abraços,
Das trágicas cadeias das tuas comas,
E me fazes rojar, trás os teus passos,
Mal o teu vulto tentador assomas!

O meu ser te repele e te procura,
Mulher fatal, diabólica e divina,
Geradora de amor e de loucura!

Beija-me mais! Afoga-me o desejo!
Pois, se sei que teu beijo me assassina,
Sei que sucumbo à falta desse beijo!...

Alceu Wamosy, 1895-1923

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Deixa-me dizer-te os lindos versos raros

Os versos que te fiz

Deixa-me dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer
São talhados em mármore de Páros
Cinzelados por mim pra te oferecer.

Têm dolências de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder...
Deixa-me dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer!

Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda...
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz!

Amo-te tanto! E nunca te beijei...
E nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!

Florbela Espanca, 1894-1930