quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Saudades! Sim... talvez... e porque não?...


Saudades

Saudades! Sim... talvez... e porque não?...
Se o nosso sonho foi tão alto e forte
Que bem pensara vê-lo até à morte
Deslumbrar-se de luz o coração!

Esquecer! Para quê?... Ah! como é vão!
Que tudo isso, Amor, nos não importe.
Se ele deixou beleza que conforte
Deve-nos ser sagrado como o pão!

Quantas vezes, amor, já te esqueci,
Para mais doidamente me lembrar,
Mais doidamente me lembrar de ti!

E quem dera fosse sempre assim
Quanto menos quisesse recordar
Mais a saudade presa a mim!

Florbela Espanca, 1894-1930

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

"Virás comigo", disse, sem que ninguém soubesse

VII

"VIRÁS comigo", disse, sem que ninguém soubesse
onde e como pulsava meu estado doloroso
e para mim não havia cravo nem barcarola,
nada senão uma ferida pelo amor aberta.

Repeti: vem comigo, como se morresse,
e ninguém viu em minha boca a lua que sangrava,
ninguém viu aquele sangue que subia ao silêncio.
Oh amor, agora esqueçamos a estrela com pontas!

Por isso quando ouvi que tua voz repetia
"Virás comigo", foi como se desatasses
dor, amor, a fúria do vinho encarcerado

que de sua cantina submergida soubesse
e outra vez em minha boca senti um sabor de chama,
de sangue e cravos, de pedra e queimadura.

Pablo Neruda, 1904-1973

Pablo Neruda. Cem sonetos de amor. Porto Alegre : L&PM, 1997.
Tradução de Carlos Nejar.