Noturno
Amor! Anda o luar, todo bondade,
Beijando a Terra, a desfazer-se em luz...
Amor! São os pés brancos de Jesus
Que anda pisando as ruas da cidade!
E eu ponho-me a pensar... Quanta saudade
Das ilusões e risos que em ti pus!
Traçaste em mim os braços duma cruz,
Neles pregaste a minha mocidade!
Minh'alma que eu te dei, cheia de mágoas,
É nesta noite o nenufar de um lago
Estendendo as asas brancas sobre as águas!
Poisa as mãos nos meus olhos, com carinho,
Fecha-os num beijo dolorido e vago...
E deixa-me chorar devagarinho...
Florbela Espanca, 1894-1930